Bumping into each other - Literally [closed]

Dublin, Irlanda. 2005

Não fazia muito tempo desde que eu retornara para a Irlanda. Eu havia voltado para lá com grandes expectativas e esperava que elas fossem satisfeitas. Porém, ao contrário de muitos, eu não fui lá procurando algo. Fui para “fugir” de algo. Uma pessoa tem uma cota de provações que consegue agüentar na vida e a minha foi atingida com Mary Bennington. Eu gostava mais dela do que queria admitir, verdade, mas não suportava mais ficar por perto. Não suportava mais ser o amigo que a ouve, que a tira das confusões. Não suportava mais ser o amigo, ponto. Então realmente achava que a Irlanda seria uma boa idéia.

Na universidade, comecei um curso de direito. A empresa de Richard não era de advocacia, mas eu acreditava que poderia ser útil para ele nessa área. Com a vantagem que, se as coisas dessem certo, eu poderia trabalhar na filial em Dublin mesmo. Uma boa empresa precisa de bons profissionais legais. E essa havia sido uma área do conhecimento que sempre me interessara. Não tive problemas com o início das aulas. Fiquei morando em um alojamento da própria universidade e me dei incrivelmente bem com o colega de quarto, Travis. Ele também cursava direito. Era organizado e tocava numa banda, a qual fui chamado para ver algumas vezes, mas ainda não vi. Não sou muito do tipo que sai para bares à noite. Talvez os próximos anos de convivência com Travis mudassem isso, nunca se sabe. Eu estava certamente aberto a novas possibilidades.

Quando as aulas começaram, me encantei completamente pelo curso. Já havia estudado um pouco da constituição irlandesa por conta própria e me sentia completamente hipnotizado pelas aulas. Fiz amigos com uma facilidade maior que o usual. Parecia que estar de volta em casa me fazia bem. Meu sotaque, que havia diminuído bastante depois dos anos morando em Carmel, havia voltado em peso. E eu adorava aquilo. Durante a noite eu ainda pensava nela, mas isso desapareceria com o tempo. Certo?

Enfim, toda essa introdução nos leva para um dia em especial. Eu tinha um seminário para preparar e o meu grupo havia marcado uma reunião na biblioteca durante a tarde. Saindo da última aula, parei para tirar uma dúvida com o professor e começamos uma discussão. Mal senti o tempo passar e quando olhei no relógio, percebi que já estava atrasado. Explicando ao professor que tinha um compromisso, saí às pressas da sala e me pus a quase correr pelos corredores. Saindo ao ar livre, comecei a ir ainda mais rápido, torcendo para que as pessoas não fossem muito pontuais. Mas não tinha muitas esperanças quanto a isso; nós estávamos bem próximos da Inglaterra.

Mas é claro que esse tipo de afobação nunca termina bem. Quando já estava quase na entrada da biblioteca, comecei a diminuir a velocidade, mas não antes de me chocar com uma moça que parecia estar indo para lá também. Ela carregava vários livros que, é claro, eu derrubei. Os livros praticamente voaram com a batida e eu ainda tentei segurá-los, mas não consegui evitar que fossem direto ao chão. Parando, ofegante, levei alguns instantes para recuperar o fôlego e disse:

- Uau, me desculpe... – Disse ofegante e meio sem jeito. – Eu ainda tentei pegar, mas não deu... Deixa eu te ajudar com isso. – E me abaixei para ajudá-la a pegar os livros do chão.

Azul com branco. Mas o cinto é prata, e o sapato tem nuances de dourado. Não, não dá. Ah certo, espera, se eu trocar o cinto, para o preto, e colocar rosa....não, mesmo assim as cores não se fundem perfeitamente...só se..humn, talvez se pegar o vestido preto, com o cinto e o sapatos dourados...Agora!

Eu tinha a certeza de que a estranha alquimia de combinar roupas de um modo coerente e não conflitante, era extremamente mais difícil do que fazer um cálculo de vetores sobre a extensão dos Buracos de Minhoca na Via Láctea. Muito mais. E isso porque eu me correspondia com a Física Quântica, muito mais com as minhas roupas no armário. Não que eu não gostasse de me arrumar metodicamente, eu gostava, e era esse o problema. Não me arrumar, mas o adjetivo que veio com a palavra posterior: metodicamente

Eu devia ser a pessoa mais perfeccionista que conhecia, na verdade, irei tirar o verbo que demonstra o sentido dúbio da minha frase textual e substituirei por ser. Eu sou a pessoa mais perfeccionista e metódica que conheço. E duvido que alguém seja assim como eu.

De qualquer sorte, isso pelo menos significava que não seria um desastre da moda, como eu via algumas pessoas alardeando por aí. A noção certa que eu tinha, aliada ao meu perfeccionismo, me dava uma alternativa certa em relação a roupas ter uma prima que faz faculdade de Moda também era um aliado importante.

Mas de qualquer jeito a parte intelectual era melhor para mim. E isso me lembrava que tinha que ir até a biblioteca.

Eu saí apressadamente de casa, calculando mentalmente quão rápido o velocímetro do meu carro deveria estar, para que eu chegasse em casa a tempo, e, para a minha sorte, estava dentro dos limiares permitidos pela lei irlandesa. E assim o fiz. Com o horário certo, do jeito que havia pensado, cheguei à porta da Biblioteca.

Todos haviam me dito que a faculdade de Física bastava, mas, havia alguma coisa na faculdade de Antropolgia que me atraía. Não só isso, mas a Antropologia Forense me atraía muito mais. E eu estava com esse objetivo em foco.

Saí da biblioteca da Trinity com muitos alguns livros em mão, e, então peguei meu rumo para a sala de aula. E foi quando eu me lembrei que deveria pegar mais dois livros, então, mudei meu rumo. Literalmente falando, porque,quando eu percebi o rapaz, já era tarde o bastante para evitar o que eu havia antevisto.

Um choque. E todos os livros acompanharam a lei da gravidade. O rapaz ainda tentou pegá-los, logicamente, sem sorte. Quer dizer, sorte não, porque eu não ou muito adepta da idéia de sorte. Tenho uma teoria bastante extensa sobre isso, mas agora não é a hora de exemplificá-la.

Uau, me desculpe... Eu ainda tentei pegar, mas não deu... Deixa eu te ajudar com isso. –

Eu estava apanhando os livros junto a ele.

- Bem, na verdade, você não teria a menor chance de pegá-los, já que, com a força do impacto, e com o tempo e a extensão que os livros caíram, seu ato reflexo não era rápido o bastante para acompanhar a queda com a chance de evitar que os livros se encontrassem com o chão, afinal, a força gravitacional os empurrava mais rápido, de acordo com sua massa, que era definitavamente grande, portanto....- portanto eu me calei ao ver que havia falado demais. Para variar. - Portanto eu devo agradecer, não?- disse, rindo, enquanto pegava os livros de sua mão. - Obrigada- disse, e, me afastando, dei meia-volta para ir até a biblioteca. De novo.

Okay, a minha atenção e percepção aos obstáculos no caminho não estavam muito aguçadas, mas esbarrar numa moça e derrubar todos os seus livros é meio clichê, não? Bom, enfim, eu só estava com muita coisa na cabeça. Além do compromisso para o qual eu estava atrasado, ainda não de adaptara completamente àquele local, apesar de ter consciência de que estava sendo bom para mim. Às vezes ainda batia aquela saudade de casa. E aquele dia havia sido um dia daqueles. Mas então, voltando à situação. Lá estava eu pedindo desculpas pelo ocorrido, quando recebo uma resposta nada comum.

- Bem, na verdade, você não teria a menor chance de pegá-los, já que, com a força do impacto, e com o tempo e a extensão que os livros caíram, seu ato reflexo não era rápido o bastante para acompanhar a queda com a chance de evitar que os livros se encontrassem com o chão, afinal, a força gravitacional os empurrava mais rápido, de acordo com sua massa, que era definitivamente grande, portanto.... – Eu olhava para ela com as sobrancelhas erguidas. – Portanto eu devo agradecer, não? – Ela riu, parecendo perceber a minha surpresa. – Obrigada.

A moça se virou e voltou ao caminho para a biblioteca. Por alguns poucos segundos eu ainda fiquei parado ali pensando no comentário dela. Dei risada comigo mesmo. Havia sido... incomum, no mínimo. Mas alguma coisa nela me chamara atenção. Eu não sabia exatamente o que, mas vendo-a se afastar, agi impulsivamente – por incrível que pareça – e a chamei de volta.

- Ei, só um minuto! – Ela parou e se virou, parecendo um pouco confusa com a minha chamada. Estendi a mão em direção aos livros. – Deixa que eu levo isso pra você. Pra compensar a minha falta de modos. – Dei um sorriso simpático e peguei com cuidado os livros da mão dela, me encaminhando para a biblioteca. Então me virei para ela, olhando-a realmente pela primeira vez. Era uma moça bonita, com ar de inteligência. Alguma coisa nela definitivamente me agradava. O contraste do cabelo claro também já era um grande ponto a favor. – Eu sou Garret Fitzgerald. Estudo direito aqui. – Falei, esperando que ela se apresentasse também.

Certo, talves eu devesse aprender uma técnica chinesa milenar para calar a minha boca, e deixar de externar coisas sem sentido como eu havia acabado de fazer com aquele rapaz. Certamente agora ele deveria estar pegando o número, mentalmente, do hospício mais próximo, e eu não o repreendia, porém, eu sabia que devia sair dali o mais cedo possível, antes que pudesse piorar as coisas, então, o agredeci e me virei, a fim de voltar até a biblioteca, e fazer algo que eu não estava me lembrando o que era agora.

Realmente aquela havia sido uma situação realmente engraçada, e, se eu não tivesse agido de um modo tão bizarro, talvez pudesse arremetar um assunto com aquele rapaz que havia sido simpático comigo, porém, como sempre, eu altero os padrões comportamentais, e acabo por finalizar situações de um modo incoerente. Lindo.

Enquanto eu me afastava, praguejando mentalmente por que raios eu não nasci normal, eu ouvi uma frase atrás de mim.

- Ei, só um minuto!

Eu me virei, confusa, sem saber se havia sido dirigida a mim,e , para a minha total petrificação, ele estava atrás de mim, estendendo a mão para meus livros.

Deixa que eu levo isso pra você. Pra compensar a minha falta de modos.- ele falou, tirando os livros de minha mão, e nos fitamos por um certo momento. Ele era um rapaz agraciado com feições bonitas, e havia algo nele que me agradava.

Eu sou Garret Fitzgerald. Estudo direito aqui.

Eu sorri para ele, enquanto também me apresentava.

- Eu sou Chloè, Chloè Montgomery. Atualmente eu faço Antropologia aqui, na verdade. Apesar de ter feito faculdade de Física anteriormente, porém, eu suponho que Antropologia poderia ter um ramo mais acentuado para o que eu realmente queria e.... eu já estou falando demais, novamente. Me desculpe por isso, eu tenho essa mania de falar mais que o normal, o que pode ser certamente uma coisa muito ruim de se conviver, ah, bem, não que eu diga que você irá conviver comigo, na verdade, porém....Bem, creio que você deva relevar tudo que eu disser anteriormente. Espere. Vamos começar de novo. - comecei a rir, enquanto, segundos depois, voltava a ficar séria- -Sou Chloè Montgomery, e faço Antropologia aqui, prazer em conhecê-lo- falei, então, depois, continuei.- -Acho que isso se encaixa mais nos padrões, não é mesmo?

A moça pareceu um pouco confusa pela minha abordagem, mas sorriu de volta. Alguma coisa nela me chamava atenção, me agradava. Ela tinha um ar... não sei... diferente. Parecia meiga e ao mesmo tempo independente. Pela primeira vez desde saí de Carmel (ou provavelmente desde bem antes disso), senti vontade de conhecer uma pessoa do sexo feminino mais a fundo. Antes, nenhuma garota poderia superar o que eu sentia por Mary, mas já fazia algum tempo e eu me senti satisfeito por poder deixar esse tempo para trás.

- Eu sou Chloè, Chloè Montgomery. Atualmente eu faço Antropologia aqui, na verdade. Apesar de ter feito faculdade de Física anteriormente, porém, eu suponho que Antropologia poderia ter um ramo mais acentuado para o que eu realmente queria e.... eu já estou falando demais, novamente. Me desculpe por isso, eu tenho essa mania de falar mais que o normal, o que pode ser certamente uma coisa muito ruim de se conviver, ah, bem, não que eu diga que você irá conviver comigo, na verdade, porém....Bem, creio que você deva relevar tudo que eu disser anteriormente. Espere. Vamos começar de novo. - Eu levantei as sobrancelhas, prendendo o riso enquanto ela falava. A própria começou a rir, ficando séria logo depois e eu fiz o mesmo, com algum esforço. - Sou Chloè Montgomery, e faço Antropologia aqui, prazer em conhecê-lo.- Assenti com a cabeça como se confirmasse que ela havia feito um bom trabalho e sorri. - Acho que isso se encaixa mais nos padrões, não é mesmo?

Ri do comentário dela. Chloè Montgomery. Estava satisfeito por conhecê-la. Só lamentei por ter que ir para a reunião de grupo. Trabalhos em grupo não eram bem o meu forte. Eu era mais o tipo do cara que trabalha sozinho e tinha uma certa dificuldade em dividir tarefas. Além do mais, era perfeccionista e, por melhor que ficasse o trabalho, sempre achava que alguma coisa poderia ser aperfeiçoada. E... Bom... Essa não costumava ser uma característica muito apreciada pelos outros componentes do grupo.

- É, acho que se encaixa mais nos padrões sim... – Ri, abaixando um pouco a cabeça. Então, deixando os livros dela em cima de uma mesa vazia, continuei. – Olha, eu tenho uma reunião de grupo agora, então vou ter que ir. Mas foi um prazer conhecê-la, Chloè. A gente se encontra por aí... – Me virei para sair, mas parei no meio do caminho, me voltando para ela. – Ah... E eu não me importo muito com o que se encaixa mais nos padrões... Você se importa? -Pisquei para ela e saí, procurando pelo grupo. Pois é. Eu pisquei. Não não, sério. Eu não tinha idéia do que estava acontecendo comigo. Mas o que quer que fosse, deveria estar alterando tanto a minha sanidade mental quanto a minha memória. Procurei o grupo por toda a biblioteca e saí para ver se alguém estava lá fora. Então tive a brilhante idéia de ligar para um deles, que me avisou que a reunião seria só no dia seguinte. É Garret, muito bem.

Colocando o celular de volta no bolso, olhei em volta pensando no que fazer em seguida. Bom, já que já estava lá, melhor aproveitar para adiantar outros trabalhos pendentes. Tinha um artigo para entregar de qualquer forma. Peguei um livro de uma prateleira e olhei para Chloè, sentada numa mesa um pouco distante. Refleti comigo mesmo por uns dois segundos. Mal não podia fazer. Caminhei até ela e, colocando o livro na mesa, disse, com um sorriso:

- Posso...? O meu grupo não apareceu... – Ri comigo mesmo. – Como eu também deveria ter feito, já que a reunião é só amanhã...